2.16.2009

Filmes em Fevereiro/2009

O Leitor, de Stephen Daldry. (The Reader, 2008)

É intrigante como um filme consegue ter tantos méritos na sutil forma de desenvolver o relacionamento de Hanna e Michael -- como na confirmação que Hanna era iletrada no restaurante, ou o momento em que Michael descobre que é Hanna a ser julgada ou até no último encontro do dois -- e ser falho em tantas discussões de moral esfregadas em nossa cara e cenas arrastadas demais. A caracterização de Hanna como fria, amoral e cheia de orgulho é muito bem interpretada por Winslet que tem um contraponto interessante na passividade e inocência de Kross. O importante é que ela nunca passa a ser humanizada, mesmo com uma clara intenção de reparar seus erros no final. E Michael nunca se recupera, o que interpretado por Fiennes traz as cenas mais óbvias e dispensáveis do filme, num claro reflexo de como a própria Alemanha teve seu coração partido pelo nazismo.


O Casamento de Rachel, de Jonathan Demme. (Rachel Getting Married, 2008)

Numa crítica há algum tempo atrás, li que o melhor elogio a essa filme é dizer o quanto seria bacana estar nesse casamento. Talvez seja pelo noivo ser o vocalista do TV on the Radio ou a presença de tantos artistas para animar a festa, mas quem não gostaria? Ainda mais porque quem rouba a cena é a fascinante Kym, mostrando pouco a pouco que existe um problema bem maior que sua dependência das drogas e não existe reabilitação que possa mudar isso. Anne Hathaway está excelente e jurava que não veria nenhuma atriz melhor do que Sally Hawkins nessa temporada 2008/2009. Vale lembrar de como ela descarrega toda sua tensão no cigarro, como ela se mostra incomodada com tantas preocupações da família (mas ao mesmo tempo quer chamar atenção), suas repentinas trocas de humor e a maravilhosa cena em que mulatas invadem a festa e ela tem dificuldades em seguir o ritmo do samba. O filme tem um aspecto meio documental, como se fosse um vídeo da preparação do casamento, com várias cenas fragmentadas e servindo como pequenos arcos. Algumas vezes funcionam, como a hilária cena da gravidez, outras vezes não, como a competição na lava-louças. Embora o último ato não seja exatamente merecido, pelo menos somos compensados por compartilhar a frustração de Kym em não confrontar a mãe antes de mais uma de suas fugas.


A Busca pela Vida, de Jia Zhang-Ke. (Still Life, 2006)

Às vezes é engraçado assistir antes a um filme mais recente de um diretor. Nesse seu trabalho anterior a 24 City, Zhang-ke demonstra uma habilidade bem maior de inserir momentos de reflexão. Os personagens entram na história de forma passiva, bem mais preocupados com o que procuram do que com a própria noção de espaço em transformação. Ou seja, o desenvolvimento da China serve como choque também para quem procura ali antigas lembranças e amores. A cena em que o prédio desmorona num momento providencial é espetacular.


Milk – A Voz da Igualdade, de Gus Van Sant. (Milk, 2008)

Enquanto em Elefante e Last Days são usadas situações reais apenas como referência para construir seus filmes, dessa vez Van Sant parece preso a acompanhar os últimos anos de Harvey Milk. Não há tempo para mergulhar em nenhuma das personagens e a participação de Diego Luna, além de uma ciumeira beirando a loucura, chega a ser um fardo na fase ativista de Milk. Mas o maior defeito de Milk é que as premissas não chegam a valer as conclusões, como na separação de Milk e Scott, que sai dizendo não poder aguentar mais uma campanha de uma forma súbita e inexplicável. Ou também as cenas de revolta que nunca chegam a causar o impacto necessário. Sean Penn, então, acaba vagando sem ter alguém "sério" para se relacionar. Van Sant tem méritos justamente pela transformação de Milk no meio do filme, que de forma brusca encontra seu espírito ativista e, assim como o mote de sua luta, também se assume diante da sociedade. É um filme agradável, que tenta servir de incentivo para a luta das minorias (e bem providencial pela proibição de casamento entre homossexuais na Califórnia), mas nada mais do que isso.


Frost Contra Nixon, de Ron Howard. (Frost/Nixon, 2008)

Outro falso documentário que parece promover o encontro de Cinderella Man (também de Howard) com The Queen (com roteiro também assinado por Peter Morgan). Do primeiro, toda a preparação e a própria estrutura dividida em "assaltos", em que um competidor desmotivado ("Did he say performer?") enfrenta o oponente muito melhor preparado e favorito para vencer até o último ato. Já do segundo, temos aquele olhar buscando humanizar uma personalidade da política, principalmente mostrando seu lado mais solitário, além de Michael Sheen também servir como um belo trampolim para o ator principal. Se existe um problema é exatamente esse: passar tempo demais criando uma simpatia com Frost, sendo que o interessante mesmo seria acompanhar Nixon. No grande clímax, o último embate entre os dois, Frank Langella mostra numa complexa expressão facial, com um fascinante chacoalhar de sombrancelhas, que a figura política vai perdendo espaço para um homem atormentado. Excelente, ainda que Howard tenha feito um baita esforço para estragar a cena com a análise do personagem de Sam Rockwell logo depois.


A Troca, de Clint Eastwood. (Changeling, 2008)

Eastwood é com certeza a ausência mais sentida nessa temporada de prêmios. Já os primeiros 15 minutos de tão primorosos deveriam ser enquadrados frame a frame e exibidos em museu. Eastwood mostra um controle enorme para situar sua protagonista, num belo desempenho de Angelina Jolie, toda pálida passando pelo retrato perfeito da Los Angeles dos anos 20. Sua boca já se destacaria normalmente, mas com o contraste dos contornos vermelhos, ganha quase vida própria. Quando a vida de Collins toma um novo rumo, embarcamos num melodrama recheado de obstáculos para a protagonista (a corrupção policial, a condição sub-humana no sanatório e as barbaridades de um assassino em série), mas que mesmo se sobrepondo uma sobre a outra, nunca chegam a atingir um clímax e esgotar as chances de desfecho. Apesar de alguns atos longos demais (o julgamento duplo para mim foi quase uma tortura), é um belo filme em que Eastwood parece tomado por um sentimento anti-nostálgico de uma época anterior ao feminismo, carregada de tensão e cercada por maldade, mas que nunca conseguia apagar a esperança.

3 comentários:

Hélio Flores
09/02/2009, 09:58
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Vi Frost/Nixon ontem e concordo com tudo. Howard é muito mediocre e aquelas intereferencias dos personagens nao acrescentam nada ao filme. Deixa mastigado o que nao precisava (alias, reparou que todos os indicados a Melhor Filme trazem suas narrativas principais em FB? De alguma forma, tem sempre alguem narrando a historia). O Nixon de Langhella é tao enigmatico e incrivel, que a camera nao deveria deixa-lo um minuto sequer.

E A Troca eu continuo achando o grande filme dos ultimos meses.

Ah, indiquei voce num selo postado la no blog. Meio que forçando mais atualizaçoes aqui...

Abraços!

Mi do Carmo
10/02/2009, 22:00
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Oi Fuzii(vel:-)

Para mim o prêmio ficaria com A Troca, sem pensar duas vezes.

Achei o máximo a boca de Jolie ter outro propósito que não o sexual, mostra o quanto ela vai além...

Gostei muito de Frost/Nixon, achei bem interessante, mas concordo que esse "fake doc" encheu o saco.

Também achei Milk deveras agradável, mas discordo quando diz que ele "tenta servir de incentivo para a luta das minorias". Não consegui enxergar essa intenção, ou seria ela algo intrínseco à razão de ser do filme? Acho que a expressão "minoria" poderia ser revista nos dias de hoje, especialmente no caso dos GLBTS (e todo alfabeto, rs).

e.fuzii
11/02/2009, 09:50
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Hélio,
valeu pelo incentivo, vou lá responder depois no seu blog. E concordo plenamente em relação ao Nixon.

Michele,
prazer tê-la aqui. :)
Na verdade, fiquei com a impressão de que aquele discurso sobre os "us-es" no final do filme fosse para posicionar os gays numa "minoria", assim como os negros, asiáticos, paraplégicos e etc. Talvez o termo esteja desgastado, mas querendo ou não, eles tem de lutar contra alguma maioria, que consiga se unir.

Só acho a comparação bem fraca porque a discriminação, nesse caso, não é sobre o que essas pessoas realmente são (como os negros ou judeus), mas sim no que elas acreditam (resistência aos direitos iguais)...