12.28.2009

Filmes na Mostra SP 2009

A Religiosa Portuguesa, de Eugène Green (A Portuguesa Religiosa, 2009)

Com uma geração tão criativa surgindo nos últimos tempos em Portugal, é interessante acompanhar uma visão estrangeira do país. Mas Green vai muito além disso, abrindo espaço para a discussão do que é cinema e até arte, no encontro entre sua atriz e a freira que lhe serve de referência. Até atingir esse clímax, o filme segue com extrema fluidez diversos encontros da atriz pelas ruas de Lisboa, seja com uma reencarnação do Rei Salomão, reafirmando a cada encontro a providência do roteiro/Deus, ou um menino orfã, que mais tarde iria lhe conferir até o papel de mãe. Há toda uma fascinação também no próprio ato de filmar, escolhendo as mais belas paisagens e improvisando em frente a câmera, com se cada cena viesse preenchida pela vida. E para um filme que preza pelo significado do impalpável, essa talvez seja sua maior qualidade.


Fish Tank, de Andrea Arnold (Fish Tank, 2009)

Assim como a protagonista Mia, o filme começa bastante preso tanto à visão dos Dardenne quanto às obras mais autorais de Van Sant. A princípio tudo que ela tenta é correr, mas à medida que Mia começa a encarar sua condição, o próprio filme vai tomando forma e libertando-se, graças principalmente a Katie Jarvis, mais um talento descoberta nas ruas inglesas. Apesar de tantas vezes desiludida, a graça do filme está nas cenas de dança, que ultrapassam limites e até chegam a unir a família. Nesse momento tudo muda de tom, as cores, a iluminação e a movimentação, como se fosse o único momento que realmente garantisse algum prazer na vida dessas pessoas.


Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, de Karin Aïnouz (Idem, 2009)

Não quero desmerecer o filme, mas esse título provavelmente é a parte mais bela dessa produção. Tratando da distância do motorista de caminhão e sua amada, o único pecado da história é ela parecer previsível demais desde o começo. Mas não importa, sem nunca aparecer frente a câmera, o caminhoneiro nos conquista pelo seu contraditórios sentimentos de determinação e saudade, tantas e tantas vezes reforçados, enquanto deixa personagens fascinantes pelo seu caminho.


Faça-me Feliz, de Emmanuel Mouret (Fais-moi plaisir!, 2009)

Esse tipo de comédia não chega a me atrair normalmente, mas não posso deixar de reconhecer o bom ritmo de Mouret em suas peripécias. Talvez a primeira discussão com a namorada seja minha cena preferida por essa visão de amor como um jogo e desafio. Infelizmente, pelo resto da história as personagens deixam de ser importantes para todas as gags que vem a seguir.


Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu (Politist, adj., 2009)

Acho que o grande acerto de Porumboiu é saber estabelecer exatamente o fator tempo em suas investigações. Pode parecer tedioso, mas é apenas para nos situar e simbolizar como a burocracia e o Estado vão contra a resolução desse caso tão corriqueiro. Como diria Prop Joe em The Wire, não há nada que mate mais policiais no mundo do que o tédio. O que me chamaram batante atenção também são os momentos mostrando a rotina do protagonista, em discussões "pontuais" na hora do jantar. Claro, apenas servindo de introdução para o grande clímax, quando o chefe do departamento promove um exercício de semiótica e sintaxe para convencer o policial de sua verdadeira função. Brilhante.


Singularidades de uma Rapariga Loura, de Manoel de Oliveira (Idem, 2009)

Com simplicidade e precisão, Manoel de Oliveira filma um conto, quase piada, de Eça de Queiroz. Seu culto pela imagem, de extremo cuidado em cada plano, encontra correspondência com a paixão do rapaz pela figura de sua vizinha à janela. E depois de tanto instigar o espectador com a história contada pelo rapaz a bordo do trem, a última cena termina de forma abrupta em um anti-clímax, mas que carrega todo o sentido de conclusão. Afinal, não existe mais para onde o filme "fugir" quando essa imagem já parece desmistificada e nem sobram motivações para o rapaz.


Sedução, de Lone Scherfig (An Education, 2009)

Muito cotado para essa temporada de prêmios, é mais um daqueles fenômenos que não consigo entender. Nem mesmo Carey Mulligan, tão elogiada no papel de Jenny, chegou a me impressionar. A história basicamente tenta dar conta do papel da mulher do início dos anos 60, naquele conflito entre modernidade e conservadorismo, mas sempre da forma mais rasa possível em todos seus exemplos. Na verdade, pela presença forte da protagonista, ser conquistado por ela é fundamental para apreciar o filme. E confesso que esse é meu problema. Não consigo ir além de sua ingênua petulância, suas frases de efeito em francês ou sua falsa maturidade. Mas é fato que a própria estrutura do filme condena suas ações, desde quando é seduzida por David até seus pais forçando que ela aproveitasse a oportunidade. Jenny não toma suas próprias decisões e serve apenas como vítima de seu próprio filme.


Vencer, de Marco Bellocchio (Vincere, 2009)

A história de Ida Dalser, por tanto tempo mantida secreta, primeira mulher de Mussolini e um de seus principais apoios no início de sua carreira política. Os primeiros anos de seu relacionamento, são mostrados logo no primeiro ato de forma vibrante, tanto na trilha sonora como nas imagens e grafismos futuristas. Mas quando Mussolini se estabelece no poder, Ida é condenada ao manicômio (bem semelhante a A Troca) e desiludida. Carrega-se no melodrama e a história parece dividida entre acreditar nessas conspirações ou considerá-las delírios da própria Ida. Nem preciso destacar a atuação brilhante de Mezzogiorno em todas essas mudança de tom. E depois de virar mito, Il Duce nunca mais volta a aparecer além das imagens de arquivo, como se nem mesmo o próprio ator, Filippo Timi agora no papel do filho Benitino, pudesse chegar perto, cabendo apenas imitá-lo como uma caricatura. O final, que reprisa a bela introdução em que Mussolini desafia Deus, serve como para sustentar uma tese, principalmente sabendo a forma como ele foi executado anos depois.


Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar (Los Abrazos Rotos, 2009)

Penelope Cruz sempre deslumbrante, ainda mais usando sua peruca loira. Almodóvar sempre fascinante. O prazer está em acompanhar até onde o filme pode chegar para deixar sua homenagem ao cinema. A história é um melodrama bem convencional, mas aposta nos pequenos detalhes e na própria ironia para funcionar, enquanto domina muito bem essas duas linhas de tempo. Interessante também como o acidente influencia cada um de seus personagens, preenchendo tantos arcos.


A Fita Branca, de Michael Haneke (Das weisse Band, 2009)

Haneke tenta através das imagens de alto contraste retratar a violência contida numa pequena comunidade alemã já às portas da guerra. Durante grande parte do filme, o que ocorre diante das câmeras apenas sugere esses atos violentos, seja nos crimes em si como na punição dada às crianças. Tudo isso não passa de uma amostra do mundo em miniatura, mas sempre preocupado com os atos individuais, principalmente pelo espaço que seus corpos ocupam diante da câmera. Mas é no final do filme que Haneke decide abandonar toda essa sutileza e entregar seus personagens à máxima da sociedade opressora. Perde-se individualidades e tenta-se ir fundo nas exposições. Até associações primárias entre cenas são feitas, partindo de abusos verbais e sexuais até chegar à violência propriamente dita.


Vício Frenético, de Werner Herzog (The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans, 2009)

Herzog armou o palco para ver Nicholas Cage brilhar. E o ator claro, com todos seus excesso, não deixa de perder a oportunidade. Mas isso não atrapalha de forma alguma o andamento do filme, porque afinal, essa era a intenção desde o começo. Explorando seu vício e passando por cima de todas as normas e condutas, Herzog mostra um certo fascínio ao acompanhar a forma cômica com que seu policial personifica o mal. Ou até a providência desse mal ser recompensado no final. E nem mesmo assim o filme deixa espaço para qualquer discursos morais, já que nunca tenta te convencer que aquilo é real. Pois é assim que as cenas dos maiores delírios de Cage também se mostram: estéticos e totalmente excessivos, mas que serão necessários pra resolução da própria história.


Mother, de Joon-ho Bong (Madeo, 2009)

Talvez somente pela cena dos créditos iniciais, quando Kim Hye-ja dança para a câmera de uma forma hipnotizante e traduzindo tantos sentimentos complexos num só olhar, já poderia considerar essa uma das melhores performances do ano. Mas ela ainda tinha mais a oferecer durante todo o filme, protegendo seu filho de ser capturado por esse thriller. Já vi gente descrever o filme como psicológico, dado todo o problema mental e certa perda de memória do garoto. Mas não é. O truque de Joon-ho é cortar a cena crucial do filme para garantir suspense até o fim, soando quase como uma trapaça. Somado ao fato de um forçado álibi aparecer no último segmento, Mother tinha tudo para exigir mais dos próprios atores -- todos fantásticos, aliás -- ao invés de apelar para enganar o espectador. Mas se ainda tenho direito de dizer, a técnica de acupuntura da mãe é uma daquelas metáforas orientais das mais interessantes que vi nos últimos tempos. Afinal, com as agulhas feitas para perfurar ela promove curas, assim como toda sua jornada para salvar o filho durante o filme.


Ervas Daninhas, de Alain Resnais (Les Herbes Folles, 2009)

Resnais foi minha primeira escolha do Festival e talvez poderia ter me contido e escolhido algo mais tradicional. Mas não me arrependo, já que o próprio prólogo te apresenta a situação de uma forma toda peculiar, sem mostrar rostos, introduzir personagens, todo focado no objeto em questão: a carteira. A partir daí o filme toma rumos completamente inesperados, bem no clima das viagens de avião de Marguerite, que tanto fascinam o protagonista. É uma história que tem tudo para descambar para o romantismo barato, nesse encontro do verdadeiro amor através de conveniências do destino, mas os personagens viram as costas pra isso, quase como se considerassem uma farsa. Às vezes complexo, com algumas cenas imaginadas que aprecem contraditórias até com as situações em si, é uma pena que tenha sido exibido numa cópia tão mutilada na Mostra (digital com as laterais cortadas), não sendo possível aproveitar ao máximo os belos planos e a extensa paleta de cores de Resnais. Embora tenha certeza de sua qualidade, fica para uma próxima oportunidade dar ao filme seu valor de direito.




Outros filmes com comentários mais breves ainda:

I Love You Phillip Morris, de Glenn Ficarra e John Requa (Idem, 2009)
Carrey incorporando mais um papel que cai como uma luva para ele. Seu romance com Ewan McGregor chega a ser bastante clichê em grande parte do filme, mas não deixa de ter competência em pelo menos saber os momentos certos de desenvolver arcos e concluir a históira.

Ricky, de François Ozon (Ricky, 2009)
Talvez a melhor forma de comentar sobre esse filme seja dizendo o mínimo possível antes que estrague a experiência de alguém. Basta dizer que desde a primeira cena, servindo para situar-nos do que vem a seguir, Ozon já sabe exatamente como controlar nossas expectativas, antes de surpreender a todos com um repentino suspiro.

Making Plans for Lena, de Christophe Honoré (Non ma fille, tu n'iras pas danser, 2009)
Quando Honoré parece finalmente render-se aos tradicionais dramas familiares franceses, ele decide concentrar-se em Lena, a sempre excelente Mastroianni. Mas talvez seja seu maior erro, não dando o devido valor àqueles que julgam Lena o tempo todo, parecendo apenas implicar com ela. Em meio a tanta pressão, Lena acaba tomando sua decisão, mas nem por isso termina de uma forma mais digna, ainda mais pela presença de seu ex-marido, que com toda sua ponderação ao lidar com os filhos não parece ajudar muito. Entre as decisão de roteiro e edição, diria que o conto da dança medieval funciona para caracterizá-la, mas o flashback pareceu desnecessário e um pouco deslocado.

Sede de Sangue, de Chan-wook Park (Bakjwi, 2009)
Juro que se soubesse que era mais um filme de vampiros, teria desistido na hora. Nada contra, Deixe Ela Entrar está entre meus favoritos do ano passado, mas conhecendo Park Chan-Wook já podia imaginar do que ele seria capaz. Até chegar ao excelente final, ele esgota todas as possibilidades possíveis de massacres envolvendo vampiros. Tudo servindo apenas para mostrar sua estética apurada.

O Que Resta no Tempo, de Elia Suleiman (The Time That Remains, 2009)
Sketches palestinos, quem diria? São vários pequenos atos com base em repetições, contando toda a trajetória da própria família de Suleiman enquanto vivem o tempo que resta além dos conflitos, desde a (escandalosa) criação do Estado de Israel. Nunca pesando demais no contexto político, mas sempre dedicado a fazer uma análise social das situações.

Seguindo em Frente, de Hirokazu Koreeda (Aruitemo aruitemo, 2008)
Achei decepcionante, principalmente pelo final que teima em querer significar demais e supervalorizar aquele encontro familiar. Ou por assim dizer, o próprio filme. São tantos apelos para símbolos, como a ponte, a praia e o navio, que chegou a me irritar, mesmo que Kore-eda ainda mostre controle de todas suas cenas intimistas, unindo essa família para relembrar a morte de um de seus entes.

Tokyo!, de Michel Gondry, Leos Carax e Joon-ho Bong (Tokyo!, 2008)
Seguindo a mania de fazer filmes para promover cidades, diria que o único grande destaque é o último curta, dirigido por Joon-Ho Bong, que pelo menos sabe assumir o tédio que é, além de ser tecnicamente muito bom. Já o segundo curta, de Carax, chega a ser um insulto de tão ruim.

35 Doses de Rum, de Claire Denis (35 Rhums, 2008)
Uma simples trama central, priorizando a contemplação dessa relação afetuosa entre pai e filha (em homenagem a Ozu), com base na rotina e em cada gesto de carinho que unem os dois. E a tal cena da dança no restaurante ao som de Commodores é absolutamente linda, em cada movimento e olhar. Mas talvez já estivesse vencido pelo cansaço para não achar toda essa maravilha que faz tantos críticos considerá-lo como melhor do ano.

Distante Nós Vamos, de Sam Mendes (Away We Go, 2009)
Um road movie em que um casal procura um lugar para fixar-se e criar seu filho, prestes a nascer. Krasinski e Rudolph funcionam muito bem, mas não merecem grande parte dos péssimos personagens que precisam enfrentar pelo caminho. Talvez simplesmente para garantir que eles não sejam os grandes perdedores ao final.

0 comentários: