12.10.2009

Filmes em Setembro-Outubro/2009

Demorou, mas finalmente vou atualizando aos poucos esse blog. Embora tenha tudo anotado do que nos últimos meses, preciso só arrumar tempo pra passar tudo pra cá. Nesses dois meses em questão também fiz duas revisões: Medos Privados em Lugares Públicos, do Resnais, e Jackie Brown, do Tarantino. Ambos, por suas qualidades particulares, continuam despertando toda minha admiração.

Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. (Inglourious Basterds, 2009)

Você pode achá-lo genial ou picareta, mas o próprio Tarantino diverte-se demais chamando atenção para si mesmo em seus filmes -- ou alguém esquece do letreiro "4º filme de Quentin Tarantino" logo no início de Kill Bill? Em Bastardos Inglórios não vemos nada disso, pelo menos até chegarmos à última cena, quando um triunfal Aldo Raine declara para a câmera: "acho que essa é minha obra-prima". Não daria para concordar mais, além de dizer que esse é com sobras o melhor filme do ano.
A verdade é que Tarantino é um apaixonado pelo cinema e isso transparece em cada um de seus filmes. Apropriando-se de uma história passada na Segunda Guerra, completamente fora de sua zona de conforto (não existe nem cultura pop!), ele desenvolve-a de uma forma única, somente possível dentro desse seu Universo. É uma declaração de amor ao cinema mostrando como essa linguagem é capaz de mudar os rumos da própria História, deixando até um dilema no final: seria essa uma história sobre a Segunda Guerra através do cinema ou uma história sobre o cinema através da Segunda Guerra?
O primeiro capítulo do filme é certamente a melhor sequência escrita e dirigida por Tarantino até hoje, tanto pela atuação de Christoph Waltz quanto pela conversa amistosa, captando toda a tensão no ar, até chegar ao ultimato e instalar-se o terror. Há todo um controle de expectativas, mantendo o suspense até o último momento, quando somos surpreendidos. Como na cena da taverna em que sabemos durante os mais de 20 minutos que ninguém sairia vivo quanto mais o major tentasse investigar, e tudo é concluído em poucos segundos sem nem ser possível distinguir heróis de vilões.
Mas o filme apresenta sua grande subversão dos valores judeus convencionados pelo cinema. Entre exemplos há tanto o paralelo entre a marca nazista cravada na testa dos soldados como se fosse a circuncizão dos judeus, quanto Marcel prendendo a todos na sala do cinema como se condenasse à câmara de gás. Shosanna é a grande prova de que se um judeu tivesse a chance de se vingar, faria com toda a certeza. Ela sacrifica-se, mas eterniza sua imagem na tela de cinema que mesmo entre chamas e fumaça, continua ali rindo e testemunhando a morte de cada um daqueles nazistas, que correm agora como ratazanas. Hitler morreu tendo sua face metralhada e um cinema derrotou o nazismo. Existe prova maior de amor ao cinema?


Inimigos Públicos, de Michael Mann. (Public Enemies, 2009)

Por mais que fiquem claras as intenções de Mann com seu filme, infelizmente não chegam a me convencer. Primeiro, porque hoje em dia tenho dificuldade de levar a sério Johnny "Sparrow" Depp. Segundo, porque não aceito que ele tente mitificar Dillinger em detrimento dos coadjuvantes. Talvez o problema esteja no livro do qual foi adaptado, que levanta pesquisas da época dessa onda de crimes que Dillinger esteve envolvido, mas nunca se aprofunda em nenhum desses personagens. O que restam são cenas isoladas seguindo o protagonista entrando e saindo dos lugares por onde passou, em que o diretor acaba mais estabelecendo sequências do que realmente realizando-as. No final, a medida que o cerco do FBI vai se fechando, fico com a impressão de que todo o estilo de Dillinger é apenas uma maneira de ele fazer de idiota a si próprio.


Anticristo, de Lars von Trier. (Antichrist, 2009)

Definitivamente não recomendaria nem para meu pior inimigo. Mas não posso deixar de reconhecer os méritos de von Trier. Ainda que seja fazendo outro filme de gênero, o diretor está bem mais a vontade do que em sua tentativa anterior com a comédia (em O Grande Chefe). Afinal é impossível não perceber o aspecto provocador de von Trier nesse filme de terror visceral que já começa numa altamente produzida cena de sexo em slow-motion. A partir da queda do filho de uma janela, começa também a ruína da condição do casal. Podem falar o que quiser, mas é um filme que te perturba do início ao fim, impondo contradições e tentando confrontar o tratamento psicológico do marido e os estudos sobrenaturais da esposa, na floresta chamada Eden. O que diferencia Anticristo de qualquer outro filme de terror é a impossibilidade de considerar tudo encenação, dado o grafismo e veracidade da violência na tela. Uma amiga chegou a classificá-lo como "pungente". Acho que não teria forma melhor de descrevê-lo também...


Amantes, de James Gray. (Two Lovers, 2008)

Nunca fui grande fã de Donos da Noite, o filme anterior de James Gray, talvez exatamente pela presença de Joaquin Phoenix -- que de certa forma, deve ser em repúdio aos outros dois filmes do Shyamalan. Mas pra falar a verdade o que me incomodava mesmo era o roteiro esquemático. Então, qual não foi minha surpresa pela elegância em retratar o frágil Leonard. Apesar de ser definido pelo abandono sofrido de sua ex-noiva, isso só nos é revelado na metade da história. Até lá acompanhamos toda preocupação de sua mãe e logo de início uma tentativa frustrada de afogar-se. Confesso que esperava que essa cena fosse a conclusão dessa história, aquela que daria o tom do resto do filme contado em flashback. Mas fui surpreendido, assim como pela bela saída final. Leonard passa o tempo dividido entre a tradição de Sandra e a exuberância de Michelle. A primeira está sempre visitando sua casa junto da família, vigiada pelos quadros nas paredes de seus antepassados e é a forma mais segura de garantir seu futuro e de seus pais. Já a segunda representa a aventura, a paixão quase adolescente vista pela janela de seu quarto e as visitas a Manhattan nos túneis sem fim do metrô. O mérito de Gray é por estabelecer uma proximidade entre protagonista e espectador, sem chance de julgá-lo ou até dar um caráter paternal a relação, principalmente pela forte presença de sua mãe. Bela surpresa, desde já um dos meus favoritos nessa década.

0 comentários: