1.19.2008

Comemoração em silêncio

Na "cerimônia" mais sem graça da história, foram anunciados ontem os vencedores do Globo de Ouro 2008. Entre os filmes, as grande surpresas para mim foram a vitória de Atonement como melhor drama e a derrota dos irmãos Coen para o prêmio de direção. Nas outras categorias, pela disputa acirrada entre umas e outras, tudo foi bastante óbvio.
Nas categorias de tv, tivemos surpresas. A dobradinha de Mad Men como melhor série de drama e melhor ator para Jon Hamm foi a surpresa mais agradável dos últimos anos. E como já previa pela própria lista de indicações, apenas a adorável Tina Fey (justamente uma das líderes na greve) venceu por uma série da televisão aberta americana. Imagine só como seria seu discurso...
O reconhecimento a Mad Men é merecidíssimo, principalmente pelo respeito que a série tratou seu espectador por toda a temporada. Claro que Damages também merecia, mesmo com suas enrolações ao longo da temporada, mas o trabalho feito por Matthew Weiner e sua equipe é, sem dúvidas, único na televisão esse ano. Influenciado diretamente por Sopranos, Mad Men é a esperança de que a televisão ainda pode ser inteligente, principalmente pelo seu formato já parecer amplamente dominado pela maioria dos espectadores. Numa união perfeita entre roteiristas que não caem na fácil tentação de explicar as motivações das personagens, com diretores competentes o suficiente para extrair a significância necessária dos atores, cabe ao espectador refletir e entender cada uma de suas cenas cheias de sutilezas.

Num momento crucial da história dos EUA, seguimos Don Draper, um publicitário trabalhando à beira da Madison Avenue do início dos anos 60 e que demonstra uma grande ambigüidade moral, envolvido em histórias (como adultério e um passado traumático) que podem levar facilmente sua família à ruína. Digno até de reprovação, é notável a forma como transformam Don num personagem simpático, ainda que continuem nos mostrando todos seus problemas. É só através de suas campanhas publicitárias que Don parece entender seus sentimentos, e essa é uma das razões para suas idéias serem tão brilhantes: ao invés de serem ideais ao seu público, parecem ser direcionadas a ele mesmo.
A série é ambientada durante a campanha presidencial de 1960, entre Nixon e JFK, marcada por uma intensa disputa e um interessante contraste na população. Don, assim como outros funcionários da Sterling Cooper, mantém seu conservadorismo ao apoiar Nixon, que vem assim como ele de uma família modesta. Já Kennedy representa a mudança, que seriam traduzida em seu mandato pela intensa expansão internacional e a própria corrida espacial. Pete, um dos publicitários júnior, parece ser o único a entender essa modernidade, já que também nasceu numa família abastada. É uma sociedade em mudanças, e essa resistência de Don a elas, pode levar a uma possível crise na próxima temporada (que segundo informação teria início no ano de 1962).
Embora a série pareça até produzida nos próprios anos 60, assistir a Mad Men hoje em dia é refletir sobre toda a evolução da sociedade até chegar aqui. Tudo retratado de forma sutil, mas cheia de significados, a discussão mais interessante e possivelmente a que causa mais estranhezas é o papel da mulher na sociedade, que aos poucos começa a libertar-se tanto do casamento como no ambiente de trabalho, seja emergindo profissionalmente como Peggy ou administrando os negócios da família como Rachel.
Esse Globo de Ouro foi um excelente reconhecimento à primeira aposta da AMC nas séries de televisão. Só espero que essa aposta na vanguarda traga novas séries como Mad Men.

Mesmo que o grande lobby desse ano fosse pela vitória de Michael C. Hall, acho que o prêmio foi merecido sim para Jon Hamm. A grande diferença é que Dexter usa de narrações em off para muitas vezes exprimir as motivações de seu personagem, enquanto Don Draper muitas vezes calado consegue transmitir a segurança ou fraqueza em cena. Não que o trabalho de Michael C. Hall seja fácil ou que ele não se esforce, mas nessa segunda temporada o próprio roteiro de Dexter prega algumas peças, como a reação segura de Dex ao perceber que Lyla usaria de qualquer expediente para conseguir o que quisesse, mas no episódio seguinte sendo novamente explicado, apagando um pouco o brilho de sua atuação. Talvez o que faça sentido nessa premiação é que Jon, assim como seu personagem, vinha de um começo humilde e venceu no seu primeiro papel principal. Porém, ironicamente, teve de aceitar seu prêmio calado o que diminui um pouco seu reconhecimento, mas não para quem acompanhou por toda a temporada o instigante Don Draper.

Foto: AMC/Divulgação

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